quarta-feira, dezembro 17, 2003

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(...)

- E não te faz falta nada? - perguntei.
- Nada que seja impossível - respondeu ele, adivinhando o meu sentimento. - Quanto a ti, estás aí molhando a cabeça - acrescentou, acariciando-me como a uma criança, passando-me novamente a mão sobre os cabelos - invejas as folhas e a erva, porque são molhadas pela chuva, gostarias de ser a erva, a folhagem, a chuva. E eu apenas me alegro com elas, como me alegro com tudo o que é belo, jovem e feliz no mundo.
- E não lamentas nada do que passou? - continuei a perguntar, percebendo em meu coração um sentimento cada vez mais penoso.
Ficou pensativo e tornou a calar-se. Vi que procurava responder com toda franqueza.
- Não! - respondeu ele, lacônico.
- Não é verdade! Não é verdade! - desse eu, voltando-me para ele e fitando-o nos olhos. - Não lamentas o passado?
- Não! - repetiu. - Sou grato por ele, mas não o lamento.
- Mas não gostarias de fazê-lo voltar?
Ele virou a cabeça e pôs-se a olhar para o jardim.
- Não quero isto, cmo não quero que me cresçam asas - disse. Não se pode!
- E não corriges o passado? Não censuras a to mesmo ou a mim?
- NUnca! Tudo aconteceu para melhor.
- Escuta! - disse eu, tocando-lhe o braço, para que se voltase para mim. - Escuta: por que nunca me disseste o que querias, para que eu vivesse exatamente de acordo com a tua vontade, por que me deste liberdade, que eu não sabia usar, porque deixaste de me ensinar? Se quisesses, se me orientasses de outra maneira, não teria acontecido nada, nada - disse eu, com uma voz em que se expressava cada vez mais fortemente uma fria mágoa e censura, em lugar do antigo amor.
- O que não teria acontecido então? - perguntou surpreso, virando-se na minha direção. Está tudo bem. Muito bem - acrescentou com um sorriso.
"Será possível que ele não compreenda ou, o que é pior ainda, não queira compreender?" - pensei e lágrimas apareceram- me nos olhos.
- Não teria acontecido que eu, em nada culpada diante de ti, fosse castigada com a tua indiferença, com o teu desprezo até - disse eu de repente. - Não teria acontecido que, sem qualquer culpa minha, me tivesses retirado de repente tud o que me era caro.
- O que é isto, coração?! - disse ele, como que não compreendendo o que eu dizia.
- Não, deixa-me falar até o fim... Tiraste-me a tua confiança, o amor, a consideração até; poque eu não acreditarei que me ames agora, depois do que aconteceu. Não, preciso deizer de uma vez tudo o que me atormenta há muito tempo - interrompi-o novamente. - Serei eu culpada porque não conhecia a vida, e tu me deixaste sozinha a fazer investigações?... Serei culpada porque nesse momento, quando eu mesma compreendi o que é preciso, quando eu, vai fazer um ano já, bato-me por voltar para junto de ti, tu me repeles, como se não compreendesses o que eu quero, e tudo se passa de tal maneira que não se pode censurar-te nada, e eu sou culpada e infeliz ao mesmo tmpo?! Sim, queres atirarme de novo num tipo de existência que poderia ter feito a minha infeliciadde e a tua.
- Mas como foi que eu te mostrei isto? - perguntou ele, como espanto e um susto sincero.
- Não disseste ainda ontem, e não dizes sempre, que não consigo viver aqui e que, no inverno, devemos viajar novamente para Petersburgo, que me é odioso? - continuei. - Em lugar de me apoiar, evitas tda franqueza, toda paralavra sincera, carinhosa, comigo. E depois, quando eu tiver caído de vez, vais censurar-me e elegrar-te-ás com a minha queda.

(...)

- Nisso tem culpa o tempo e nós mesmos Cada época tem o seu amor... - Calou-se um pouco. - Dizer-te toda a verdade, já que tu queres franqueza? Assim como naquele ano em que eu apenas te conheci, passei noites sem dormir, pensando em ti e criando eu mesmo o meu amor, e este amor crescia-me mais e mais no coração, exatamente de mesmo medo em Petersburgo e no estrangeiro eu passei noites terríveis de insônia, rompendo, destruindo este amor, que me atormentava. Eu não o destruí, mas destruí somente aqulo uqe torturava, acalmei-me, e, apesar de tudo, amo ainda, mas é um outro amor.

(...)

Esqueçamos tudo - disse eu timidaemnte.
- Não, o que passou, não há de voltar, é impossível fazê-lo voltar - e, ao dizer isto, a sua voz abrandou-se.
- Tudo já voltou - disse eu, pondo-lhe a mão no ombro.
- Afastou a minha mão e apertou-a.
- Não, eu estava mentindo, ao dizer que não lamento o passado; não, eu lamento, eu choro aquele amor passado que não existe nem pode existir mais. Quem é culpado disso? Não sei. Sobrou o amor, mas não aquele, o seu lugar, mas o amor ficou totalmente dolorido, não tem mais força nem suculência, ficaram as recosdações e a gratidão, mas...
- Não fales assim... - interrompi-o. - Que tudo seja de novo como antes... Bem que isto pode ser assim? Não é mesmo? - perguntei, fitando-o nos olhos. Mas eles eram límpidos, tranqüilos, e olhavam dentro dos meus sem profundidade.
Enquanto eu falava, senti que já era impossível aquilo que eu queria e que pedia a ele. Teve um sorriso tranqüilo, humilde, e que me pareceu senil.
- Como és jovem ainda e como sou velho - disse ele. - Em mim, não existe mais aquilo que procuras; para que se enganar? - acrescentou, continuando a sorrir do mesmo jeito.
Coloquei-me em silêo ao seu lado, e senti maior tranqüilidade interior.
- Não procuremos repetir a vida - prosseguiu ele - não mintamos a nós mesmos. E quanto ao fato de não termos mais os sobressaltos e inquietações de outros tempos, que seja graças a DEus! Não temos o que procurar, nem motivo para ficar perturbados. Já encontramos, e coube-nos felicidade bastante. (...) Quem me beijava não era um amante, mas um velho amigo.

(...)

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